Relembre a passagem de Lúcio Barbosa pelo Vasco Quarta-feira, 12/06/2024 – 08:05 Um dos primeiros contratados pela 777 Partners para a SAF do Vasco, Lúcio Barbosa chegou ao clube em agosto de 2022 para o cargo de diretor financeiro, após a venda do futebol para a empresa norte-americana. De lá para cá, foi efetivado como CEO da SAF e acumulou funções no futebol, até entregar o cargo nesta terça-feira.
A interferência do CRVG e o comprometimento à governança da SAF pesaram na decisão de Lúcio Barbosa, segundo pessoas da empresa. Elas relataram que havia interferência de muitos aliados da direção de Pedrinho, presidente do Vasco, no dia a dia. Os vazamentos de informações confidenciais também geraram insatisfação internamente.
Mas como o executivo chegou ao ponto de entregar o cargo no comando da SAF? O ge reúne nesta reportagem os detalhes desde a chegada até a saída de Lúcio Barbosa do Vasco.
A chegada
Lúcio Barbosa, com experiências no mercado nacional e internacional, foi o escolhido da 777 Partners para gerir as finanças na era SAF do Vasco, em agosto de 2022. Entre as experiências do executivo a mais marcante foi a atuação na gigante de tecnologia Apple, de 2013 a 2018. O currículo sólido e o fato de ser vascaíno agradaram os dirigentes.
Perfil apaziguador e substituição de Luiz Mello
Lúcio comandava a área financeira, uma das pastas mais importantes da empresa, e tinha diálogo com todos os setores, em especial o futebol. Embora não tivesse poder de vetar contratações, ele era consultado com frequência pelo diretor-esportivo Paulo Bracks para avaliar condições de pagamento ou valores salariais que poderiam ser oferecidos em contratações, por exemplo.
Em menos de um ano no comando, o CFO virou CEO interino. Luiz Mello, antigo executivo da SAF do Vasco, foi “realocado dentro da 777 Partners”, e saiu do futebol do clube. Mello sofreu muito desgaste com a torcida e com membros da associação por sua relação com o Flamengo, além de críticas sobre a gestão.
Com um perfil discreto e apaziguador, Lúcio conseguiu o que até então parecia distante em 2023 na SAF: a união entre todos os setores do Vasco. A gestão vivia um momento de mais proximidade do clube associativo e do futebol.
A relação entre a gestão da SAF e o futebol também melhorou passos importantes. Mello e Paulo Bracks tinham uma relação cordial, mas nem sempre falavam a mesma língua. Houve desgaste em relação à liberação de recursos para a pasta, assim como a dívida contraída com clubes e empresários na janela passada, que atrapalhou o Vasco recentemente no mercado.
O ge apurou que uma das primeiras atitudes de Lúcio Barbosa foi criar um mecanismo para proteger a SAF dos acionistas. Antes, se houvesse maioria no Conselho de Administração, poderia haver empréstimos de uma empresa à outra da Companhia, como aconteceu com a 777, que pegou emprestado da SAF cerca de US$ 5 milhões. Lúcio alterou a regra para que o empréstimo só pudesse existir com a unanimidade do Conselho, o que impediu um segundo empréstimo à 777.
Na reunião que marcou a passagem de bastão no comando da SAF, com as participações de Lúcio e Mello, foram liberados recursos extras para um maior investimento em reforços, o que ajudou nas contratações de Vegetti e Payet, jogadores que desembarcaram em agosto no clube. Internamente, entendia-se que Lúcio Barbosa era mais sensível aos pedidos do futebol do Vasco.
Com a ajuda dos reforços que o Vasco trouxe na segunda janela e a contratação de Ramón e Emiliano Díaz, a equipe conquistou a permanência na última rodada do Brasileirão. A SAF do clube tinha como meta atacar as dívidas com o aporte de 2023, mas a situação emergencial do Vasco no ano passado virou a prioridade na questão financeira. O aporte de 2024, se feito, também entraria para a quitação das dívidas.
Permanência, demissão de Bracks e efetivação
Em menos de 24 horas após a permanência do Vasco na Série A, Lúcio Barbosa tomou a decisão de demitir Paulo Bracks do cargo de diretor de futebol do clube. Ele explicou que o Vasco iria buscar um profissional que estivesse alinhado com o perfil do clube.
— A gente está aliviado e muito frustrado por tudo que a gente passou esse ano, e todos somos responsáveis. O que a gente conversou é que a gente não pode mais aceitar isso. O Vasco não merece isso, e ano que vem a gente vai fazer diferente — disse o CEO no dia 7 de dezembro.
A coletiva de dezembro ecoa até hoje na torcida vascaína de forma negativa. Na ocasião, Lúcio Barbosa prometeu que o Vasco estaria no mercado atrás de grandes jogadores com o “tamanho do clube”. Apesar dos gastos na janela, o retorno ainda não veio dentro de campo.
— A gente não fala de números, mas vamos competir no mercado contra os grandes times por jogadores que sejam do tamanho do Vasco e que consigam jogar aqui, porque não é para qualquer um — afirmou Lúcio em dezembro.
Em carta publicada por Josh Wander em janeiro, Lúcio Barbosa foi efetivado. O CEO foi elogiado pela negociação das dívidas em R$ 100 milhões, pela reformulação do departamento de futebol e pelo aumento de receita em 60%.
Uma das mudanças no departamento foi a contratação de Alexandre Mattos. Lúcio Barbosa e 777 Partners chegaram ao consenso de que ele era o melhor nome para a função de diretor de futebol. Daí surgiu um dos primeiros problemas entre o CEO e a gestão de Pedrinho: o nome favorito do presidente do Vasco era Rodrigo Caetano, hoje na Seleção.
Como sócio minoritário, Pedrinho queria participar mais do dia a dia do futebol do clube. Pessoas próximas ao presidente reclamavam que o CEO não se reportava ao CRVG. O presidente do Vasco chegou a indicar reforços, como Gustavo Scarpa, hoje no Atlético-MG, e Allan, que está a caminho do Botafogo, mas os nomes não foram aprovados pela 777 e Alexandre Mattos, respectivamente.
Após a badalada chegada de Mattos, a relação amistosa entre Lúcio e o executivo não durou muito. O vazamento de informações confidenciais por parte do diretor do futebol e a postura dele em algumas transferências minaram a confiança da SAF. Depois de um vazamento de prints por parte do dirigente, o CEO agiu rápido e demitiu Alexandre Mattos — que também tinha problemas de relação com Emiliano e Ramón Díaz.
Com a demissão de Alexandre Mattos, Lúcio acumulou mais uma vez funções na empresa. Ele montou uma comissão temporária para assuntos mais urgentes. Ela foi formada pelo próprio CEO, além dos setores de scout do Vasco e da 777 Football Group. Lúcio participou e foi mais ativo na busca do clube por reforços para o Campeonato Brasileiro.
Mesmo assim, a pasta do futebol ainda era bastante compartilhada com Johannes Spors, da 777. Lúcio tinha autonomia e voz para defender os interesses da SAF do Vasco, mas Johannes tinha a força da empresa norte-americana como acionista majoritária. O CEO teve participação, por exemplo, na liberação de mais recursos para transferências na última janela.
Saída de Ramón Díaz e Emiliano
Um dos últimos episódios marcantes da passagem de Lúcio Barbosa no Vasco. Após a goleada sofrida por 4 a 0 para o Criciúma, a SAF alega que Ramón Díaz e Emiliano pediram demissão assim que chegaram ao vestiário. O CEO, que excepcionalmente não estava no estádio por problemas pessoais neste dia, tentou convencer a comissão a ficar, mas sem retorno, deu o sinal verde para o anúncio do desligamento dos argentinos.
Na entrevista coletiva após a partida, horas depois do jogo, Ramón e Emiliano disseram que foram demitidos pelo Twitter. O ge apurou que os dois mantêm a versão até hoje e defendem que foram tratados de forma injusta pela 777 Partners e pelo CEO Lúcio Barbosa, porque entendem que fizeram muito pelo Vasco.
Para a vaga da dupla argentina, Lúcio Barbosa e Pedro Martins — este contratado pelo CEO para substituir Alexandre Mattos — optaram pela escolha de Álvaro Pacheco para o cargo de treinador.
Patrocínio, liminar e saída
No início de maio, o Vasco voltou a ter um patrocinador máster depois de quatro meses. A diretoria da SAF fechou o acordo com a casa de apostas Betfair, em um contrato que chegará a R$ 115 milhões até o fim de 2025. O valor é três vezes maior ao que a patrocinadora anterior pagava, em uma negociação que está entre as maiores do futebol brasileiro.
Em meio à crise no futebol, houve a decisão liminar que tirou o controle da SAF das mãos da 777 e o deu ao associativo. Na primeira entrevista após a liminar, o vice-presidente jurídico do Vasco, Felipe Carregal Sztajnbok, contou que um telefonema do CEO disparou o processo de ida do associativo à Justiça.
– Na sexta passada, recebi uma ligação do CEO Lúcio Barbosa para comentar a notícia de que a 777 estaria procurando um especialista de crise. O Lúcio disse que estava preocupado, não tinha informações e sabia tudo pela imprensa. A situação era totalmente surreal. Depois de uma reunião, todos os vice-presidentes tomaram a decisão de preservar o nosso patrimônio. Foi uma escalada. Ninguém premeditou. As notícias, desde a época em que fomos eleitos, mostraram que as coisas não estavam certas. Tomamos uma decisão firme, dura, mas hoje temos a tranquilidade porque fomos os primeiros que tomamos uma atitude de proteger o Vasco e a Vasco SAF.
Depois da goleada do Flamengo por 6 a 1, Pedrinho disse que antecipou a contratação de Felipe para o cargo de diretor-técnico do clube por causa da goleada por 6 a 1 sofrida para o Flamengo no domingo, pela sétima rodada do Brasileirão.
O presidente do Vasco ficou revoltado com a goleada para o rival. Ele conversou com jogadores no vestiário, de forma individual, e no dia seguinte também foi ao CT. No mesmo vídeo, Pedrinho prometeu mais mudanças no futebol da SAF.
Nesta terça-feira, uma semana depois da nomeação de Felipe ao cargo de diretor técnico, Lúcio Barbosa e Kátia dos Santos entregaram os respectivos cargos de CEO e CFO da SAF do Vasco.
Segundo fontes ligadas ao comando da empresa, a interferência do CRVG, que está no controle das ações por decisão judicial, e o comprometimento à governança da SAF pesaram na decisão. Elas relataram interferência de muitas pessoas ligadas à direção de Pedrinho, presidente do Vasco, no dia a dia da empresa. O vazamento de informações confidenciais também causou insatisfação internamente.
Aliados de Pedrinho afirmaram ao ge que Lúcio e Kátia ficaram incomodados com o afastamento deles da pasta do futebol. A tendência é que, se os diretores continuassem, eles ficariam mais restritos às demandas administrativas do escritório da SAF na Barra da Tijuca.
O presidente Pedrinho comentou a saída do CEO Lúcio Barbosa e da CFO Kátia dos Santos da SAF do Vasco nesta terça-feira. Após participar de audiência pública sobre a reforma de São Januário, o dirigente não escondeu a insatisfação com a dupla de demissionários. Especificamente em relação a Lúcio, o ex-jogador viu estranheza a respeito da renúncia.
– Obviamente a gente já está em busca disso. Não tinha o nome de forma antecipada. Depois que foram comunicadas as saídas do Lúcio e da Kátia, a gente obviamente começa a procurar. E temos (em análise) nomes para ocupar o lugar. Que fique claro que foi uma decisão pessoal. Me incomoda porque para estar no Vasco tem que querer estar no Vasco, que isso fique bem claro. Na minha gestão só vai estar no Vasco quem quer estar no Vasco, quem quer viver o Vasco na sua essência. A sua essência é sentir a dor e a alegria do Vasco, entender o que é o Vasco.
Fonte: ge